Na linha de reflexões sobre o setembro amarelo, mês de prevenção ao suicídio, o tema escolhido como eixo de discussão é o sentido da vida. Essa escolha se baseia no pressuposto básico de que em alguma medida todos pensamentos ligados à morte e suicídio tratam também sobre o sentido da vida. Como assim? Ao se questionar sobre colocar fim na vida, mesmo que constatemos diretamente os efeitos de um sofrimento psicológico envolvido, em grande parte de caráter depressivo, vemos nos relatos clínicos uma desesperança em relação a resolver as situações de vida, isso das mais diversas ordens: quadros de dores, lutos mal elaborados, falta de perspectivas futuras e traumas que insistem em bater na porta, mesmo com a luta incessante do sujeito de se desvencilhar deles.
Outro fator muito comum é o cansaço, como se todo aquele caminho percorrido até ali já bastasse ou já tivesse sido demais. O que vemos nesses casos é a necessidade de mudança, de outro direcionamento, de outro sentido, visto que o ato de cometer suicídio não termina com o sofrimento. Para eliminar o sofrimento acaba também com todas as coisas boas existentes, ou no porvir, que naquele momento de sofrimento o sujeito não consegue enxergar.
No Livro o sentido da vida, de Terry Eagleton, o percurso filosófico que acompanha a reflexão perpassa por Schopenhauer, Nietzsche, Freud, Wittgenstein, entre outros, para alertar o leitor de que de fato a relação entre vida e sentido não é uma abordagem fácil. Pela multiplicidade de sentidos possíveis, a busca de um sentido único que ancore a nossa existência de forma completa parece figurar mais como uma loucura do que como uma real possibilidade. Por outro lado, abordar a vida como totalmente sem sentido parece ser incoerente. A grande questão que se coloca na linha que se desenha entre a vida e a morte depende da nossa capacidade de simbolizar e nos atermos aos conjuntos de vivências e não a um único sentido.
Poderíamos dizer que o sentido da vida é a felicidade? Ou talvez, que o sentido da vida é o amor? Para o autor sim, desde que não seja de forma ingênua. Já que uma felicidade hedonista, vinculada ao prazer a qualquer custo, poderia transformar a vida, e transforma em muitos casos, em tão vazia como qualquer outra. A noção de felicidade aqui empregada trata-se de uma forma de vida, tal como na concepção aristotélica, que comporta uma prática social. A felicidade ou bem estar nos convoca para aquilo que a pessoa faz e é, que não se constitui sem os outros e sem condições sociais mínimas. Nesse sentido a felicidade ganha uma parcela política na discussão e nos leva de encontro para uma busca de felicidade que comporte um modo de relação na qual eu abra mão de uma parcela da minha felicidade pela felicidade do próximo, na certeza de que os outros também farão o mesmo movimento. Essa felicidade mediada abre a discussão para o amor, também não aquele amor romântico que busca nos ludibriar ou trazer o efeito anestesiante que a fantasia tenta engendrar na vida, mas de uma forma de amor que seja autêntico no sentido de buscar na ação o florescimento do próximo na certeza de que o outro também o fará. Devemos entender que os potenciais destrutivos direcionados ao outro ou a si mesmo são reflexos de uma atualidade que marca na individualidade a possibilidade de uma felicidade, talvez mais prazerosa, porém de um prazer fúnebre e mórbido.
Talvez, caro leitor, você se questione qual a relação disso tudo com a questão do suicídio, um link possível é que ninguém morre sozinho, a cada suicídio pelo menos sete pessoas sofrem impactos significativos na sua saúde mental e afeta outras 60 emocionalmente, mais de dois terços das pessoas que cometeram suicídio manifestaram sua intenção previamente, o que não foi percebido. Esse mês nos abre para a reflexão de auxiliarmos as pessoas nessas condições com escuta, com acolhida e com tratamento de qualidade para os possíveis transtornos mentais que ela tenha, mas também nos convida para uma nova relação com os outros, de forma mais ética, mais humana e mais política no bom sentido do termo.
Leandro Tavares de Oliveira
Psicólogo e Psicanalista CRP 06/101758
